Apontamentos sobre a História das Ideias
Pedagógicas no Brasil:
de 1549 a 1759 (A Educação Jesuítica)
Por:
Ivanderson Pereira da Silva
Esse texto apresenta uma resenha de citações dos quatro primeiros capítulos da obra “História das Ideias
Pedagógicas no Brasil” de Demerval Saviani. A obra ganhou o Prêmio Jabuti de
Literatura científica no ano de 2009 e representa bibliografia obrigatória e
cursos de formação de professores.
Segundo o autor, no campo da história da educação, o número de trabalhos
de corte analítico (específico) é dominante em relação ao de caráter sintético
(geral). Estudos desta natureza tem maior relevância no tocante a aplicações
por outros professores.
Este trabalho está para auxiliar o professor em seu trabalho como
instrumento de pesquisa e podendo ser aplicado como livro texto nos cursos de
história da educação e afins, haja vista ser este um trabalho que se propõe a
contemplar toda a banda das idéias pedagógicas que permearam nos caminhos da
Educação desde 1549 até os dias atuais.
O livro dividido em quatro grandes
períodos, a história da educação no Brasi e estes respectivamente subdivididos
em capítulos com vistas a distinguir diferentes momentos ou nuances das idéias
pedagógicas.
Um diferencial deste trabalho é a datação dos acontecimentos que
especifica dia mês e ano do mesmo. Reconhecemos que a leitura dessa resenha não
é suficiente para compreender a grandiosidade da obra. É muito mais um convite
a sua leitura.
Para concepção do livro, “partiu-se da necessidade da compreensão da
evolução do pensamento pedagógico brasileiro a partir da identificação,
classificação e periodização das principais concepções educacionais” (SAVIANI, 2007,
p.1 e 2).
No campo da pedagogia não há trabalho nesta linha, existem produções em
áreas outras, e tentativas no campo das idéias pedagógicas por autores como
Moacir Gadotti, mas nada tão específico como a obra em tela. Este trabalho
resultou de duas publicações anteriores do mesmo autor desta, onde fez a
classificação e a periodização das ideias.
Seu objetivo geral é a compreensão crítica do desenvolvimento das idéias
pedagógicas do Brasil mediante o exame da evolução das principais concepções
educacionais que tiveram (ou têm) vigência na história da educação brasileira.
Como objetivo específico e subsidiário, o estudo se propôs a testar uma
classificação e periodização das idéias pedagógicas. (p. 2 e 3).
As fontes de pesquisa foram apreciadas com um olhar analítico-sintético e
foi feita uma articulação do singular e do universal. Outro princípio norteador
foi o da atualidade da pesquisa, haja que o presente de enraíza no passado e se
projeta no futuro.
1. Questões teóricas relativas ao conceito
de história das idéias pedagógicas e à perspectiva de análise
É necessário fazer distinção entre história das idéias pedagógicas de
história das idéias dos pedagogos. Idéias educacionais e Idéias pedagógicas,
idéias pedagógicas e prática educativa (p. 6 e 7). Não são a mesma coisa!
O primeiro período é remetido as ideias pedagógicas dos jesuítas no período
colonial como a articulação das práticas educativas dos mesmos nas condições de
um Brasil que se incorporava ao império português, sobrevindo a catequese, a colonização e a educação. As
formas do plano educacional do Padro Manoel da Nóbrega como o uso da língua
tupi, do teatro e do canto no processo educativo com vistas a enquadrar a
colônia no Ratio Stuidiorum.
Uma grande dificuldade encontrada no estudo dessas ideias é a quebra dos
paradigmas da visão tradicional. Isso foi possível com uma abordagem de longa
duração, mas nem por isso deixou-se de abordar aspectos de média e curta
duração.
Esta obra foi baseada no trabalho de Antônio Gramsci que evoca conceitos
como movimentos orgânicos (permanentes) e movimentos conjunturais (ocasionais,
imediatos, acidentais).
2. A questão da periodização na história
das idéias pedagógicas no Brasil
a) A periodização como problema
Periodizar a história é campo teórico e demasiado subjetivo, pois parte
da perspectiva teórica do historiador. Mais comumente encontramos periodizações
orientadas pelo parâmetro político.
b) Periodização preliminar das idéias
pedagógicas no Brasil
O trabalho foi dividido em oito períodos e articulado em três níveis de
análise, o da filosofia da educação, da teoria da educação e da prática
pedagógica, são elas:
1° Período (1549
– 1759): Monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional
2° Período (1759
– 1932): Coexistência entre as vertentes religiosas e leiga da pedagogia
tradicional;
3° Período (1932
– 1947): Equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova
4° Período (1947
– 1961): Predomínio da influência da pedagogia nova
5° Período (1961
– 1969): Crise da pedagogia nova e articulação da pedagogia tecnicista
6° Período (1969
– 1980): Predomínio da pedagogia tecnicista, manifestações da concepção
analítica de filosofia da educação e concomitante desenvolvimento da concepção
crítico-reprodutivista;
7° Período (1980
– 1991): Emergência da pedagogia histórico-crítica e propostas alternativas;
8° Período (1991
– 1996): Neoconstrutivismo, neotecnicismo, neoescolanovismo. Que rumo tomarão
as idéias pedagógicas no Brasil?
Marcos divisórios
1549 – Chegada
dos Jesuítas no Brasil
1759 – Expulsão
do jesuítas pelo Marquês de Pombal
1932 -
Divulgações do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”
1947 –
Elaboração do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB)
1961 –
Promulgada a 1ª LDB
1969 – Entra em
vigor a Lei n° 5.540 (reforma universitária) regulamentada pelo Decreto n° 464
de 11 de fevereiro de 1969 e aprovação do parecer 252/69, que introduziu das
habilitações técnicas no curso de pedagogia.
1980 –
Realização da I Conferência Brasileira de Educação (CBE)
1991 –
Realização a sexta (e última) CBE
1996 –
Realização do I Congresso Nacional de Educação (CONED) e Promulgada a segunda
LDB.
Esta foi a primeira etapa deste projeto e teve duração de dois anos (1996
– 1998) que foram dedicados à esta periodização preliminar.
c) Uma nova periodização das idéias
pedagógicas no Brasil
Uma segunda etapa desta pesquisa se desenvolveu entre agosto de 1998 e
julho de 2000:
1° Período (1949
– 1759): Monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional
Subdividido nas
seguintes fases:
1ª fase:Uma pedagogia brasílica ou período heróico; tentativa de
implantação do plano formulado pelo Padre Manoel da Nóbrega (1549 –
1599)
2ª fase: A institucionalização da pedagogia jesuítica; data com seu início a promulgação do Ratio Studiorum, o Plano Geral dos
Estudos da Companhia de Jesus e passou a ser adotado por todos os colégios
jesuíticos independente dos locais onde estavam. (1599 – 1759)
2° Período (1759
– 1932): Coexistência entre as vertentes religiosa e leiga da pedagogia
tradicional
Subdividido nas
seguintes fases:
1ª fase: A pedagogia pombalina ou
as idéias pedagógicas do despotismo esclarecido; se inicial com a pedagogia
pombalina que tem continuidade com o governo de D João VI (1759 – 1827)
2ª fase: Desenvolvimento da pedagogia leiga: ecletismo, liberalismo e
positivismo; inicia-se quando é promulgada a lei que institui a escola de
primeiras letras (1827 – 1932).
Os outros seis períodos foram reduzidos em dois grandes períodos caracterizados
:
3° Período (1932
– 1969): Predominância da pedagogia nova
Subdividido nas
seguintes fases:
1ª fase: Equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova
(1932 – 1947);
2ª fase: Predomínio da influência da pedagogia nova (1947 – 1961);
3ª fase: Crise da pedagogia nova e articulação da pedagogia tecnicista
(1961 – 1969).
4° Período (1969
– 2001): Configuração da concepção pedagógica produtivista
Subdividido nas
seguintes fases:
1ª fase: Predomínio da pedagogia tecnicista, manifestações da concepção
analítica de filosofia da educação e concomitante desenvolvimento da visão
crítico-reprodutivista (1969 – 1980)
2ª fase: Ensaios contra-hegmônicos pedagogias da “educação popular”,
pedagogias da prática, pedagogias crítico-social dos conteúdos e pedagogia
histórico-crítica (1980 – 1991);
3ª fase: O neoprodutivismo e suas variantes: neo-escolanovismo,
neoconstrutivismo e neotecnicismo (1991 – 2001).
Considera-se o período que compreende a saída da ditadura militar até a
promulgação da 2ª LDB um período de confronto entre pedagogias críticas e a
pedagogia do capital humano, então dominante (1969 – 1996).
Onde o 1° período corresponde ao predomínio da concepção tradicional
religiosa, o 2° corresponde a predominância da visão tradicional leiga o 3°
refere-se a concepção moderna e o 4° emerge a visão crítica que se expressa
fundamentalmente nas concepções dialética (histórico-crítica) e crítico-reprodutivisa
em contraposição à concepção produtivista cuja expressão mais característica
pode ser encontrada na teoria do capital humano.
3. Primeiro Período; As idéias pedagógicas no Brasil entre 1549 e 1759:
monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional
3.1. Colonização e Educação
As tentativas de colonização do novo território nas primeiras décadas do
século XVI sofreram vários revezes, sendo então por determinação do rei Dom
João III designada uma delegação contendo quatro padres e dois irmãos, Tomé de
Souza (O primeiro Governador do Brasil) o padre Manoel da Nóbrega com a missão
de converter os gentios (íncolas) à santa fé católica. A chegada desta
delegação deu-se no ano de 1549.
Etimologicamente falando colo pode significar, cultivar, morar, cuidar
de, querer bem a, proteger, realizar, honrar, venerar. A palavra colonização,
colônia, colono e suas variantes neste texto têm duplo significado, o cultivo
da terra e ao trabalho de formação humana. Essa manifestação preliminar de
educação desencadeou um processo de aculturação instaurada no âmbito do
processo de colonização.
A inserção do Brasil no chamado mundo ocidental deu-se, assim, por meio
de um processo envolvendo três aspectos intimamente articulados entre si: a
colonização, a educação e a catequese. A emergência da educação como um
fenômeno de aculturação tinha na catequese a sua idéia-força, o que fica
claramente formulado no Regimento de Dom João III estatuído em 1549 e que
continha as diretrizes a serem seguidas e implementadas na colônia brasileira
pelo primeiro governo geral.
3.2. Uma pedagogia brasílica (1549 – 1599)
Quando Pedro Álvares Cabral desembarcou nas terras que mais adiante
seriam chamadas de Brasil, encontrou nelas populações com hábitos e costumes,
tradições e religiosidade próprias, sobrevivendo da caça, pesca, coleta de
frutos e sementes, com algumas plantações, dentre as quais se destacava o
plantio da mandioca, onde os indivíduos eram livres. Tratava-se, em suma, de
uma economia natural e de subsistência (SAVIANI, 2007, p.33), Nas palavras de
Fernandes (1989, p. 76) citado por
Saviani (2007, p.33), natural porque seriam eles capazes de satisfazer
às suas necessidades , do grupo social, sem nenhuma troca; e de subsistência
porque estava orientada no sentido de satisfazer às necessidades restritas do
grupo local.
Um exemplo de organização social que alicerçava as bases da Educação
Indígena antes de Cabral está representada no texto através dos Tupinambás, os
indivíduos desta tribo eram educados segundo seu sexo e idade, os Peitan eram
os recém nascidos, até darem os primeiros passos, a partir daí os meninos até
os 7-8 anos receberiam a denominação de Kunumy-miry e as meninas
respectivamente Kugnatin-miry, dos 8 aos 15 anos os meninos seriam Kunumy e as
garotas Kugatin, os rapazes entre 15 e 25 anos eram Kunumy-uaçu e as moças
nesta faixa etária as Kugnammuçu, na fase adulta entre os 25 e os 40 anos, Aua
seriam aos homens solteiros,os casados eram os Mendar-amo; as mulheres
solteiras eram as Kugnam e as casadas as Kugnammuçupoare e finalmente Thuyuae,
homens de idade superior a 40 anos e Uainuy, mulheres com idade superior a 40
anos.
Até os 7-8 anos todas as crianças dependiam estritamente da mãe, os
meninos eram incentivados ao uso do arco e flecha, a imitação de pássaros e
outros folguedos e as meninas se dedicavam aos jogos infantis, a fiação de
algodão e a amassar o barro para fabricação de utensílios domésticos de
cerâmica como potes e panelas (idem p.36).
Quando os meninos entravam na fase de Kunumy passavam a acompanhar o pai,
este deveria toma-lo como modelo, preparando-se para a vida de adulto. Já as
meninas passariam a depender ainda mais da mãe, seria esta sua mestra e modelo
iriam agora ser ensinadas atividades de horticultura, fiação do algodão e tecelagem,
a fazer farinhas e vinhos, cozinhar e preparar alimentos.
Na faixa etária seguinte, dos 15 aos 25 anos, era a fase de participação
mais ativa nas atividades dos adultos, incluídas as cerimônias de iniciação
após as quais “as jovens podiam entreter aventuras amorosas e contrair
matrimônio”. Nesse período os rapazes se envolveriam ativamente em atividades
como caça, pesca, participando de expedições guerreiras, fabricação de flechas
e prestando serviços nas reuniões dos velhos; as moças continuariam em seus
afazeres domésticos auxiliando as famílias nas atividades femininas.
Entre os 25 e 40 anos os homens passavam a participar plenamente da vida
dos adultos, sendo admitidos nos bandos guerreiros, a participação nas reuniões
com os velhos dava-lhes acesso à memória da sociedade tupinambá, associando
novos conhecimentos sobre suas tradições e instituições. As mulheres dessa
mesma faixa também assumiriam a função de adultas, ocupando as numerosas e
cansativas ocupações domésticas como coleta de frutos, mariscos e ovos e o
cultivo das plantas, cuidando diretamente da educação dos filhos, nesta idade a
elas era dado o direito de participar de várias cerimônias em conjunto com os
homens.
A partir dos 40 anos os homens poderiam se tornar chefes e líderes
guerreiros e chegar à condição de pajés, sua conduta agora serviria de exemplo
para os mais novos. Eram admirados e respeitados por todos da tribo; as
mulheres desta idade iriam agora presidir o conjunto dos trabalhos domésticos,
carpindo os mortos e servindo de mestras para a iniciação das moças na vida
feminina.
Nota-se que a cultura era transmitida oralmente, e como acima referido a
educação se apoiava basicamente em três elementos: a força da tradição, a força
da ação e a força do exemplo.
Pode-se considerar que os primeiros evangelizadores do Brasil foi um
grupo de 8 franciscanos que chegaram com Pedro Álvares Cabral em 1500. entre
1503 e 1516 chegaram mais dois frades da mesma ordem, em 1534 mais um grupo
chega com Martim Afonso de Souza, em 1537 chegam ao brasil mais 5 franciscanos
espanhóis, o estabelecimento definitivo da Ordem no Brasil data de 1585 quando
foi fundada em Olinda a 1ª Custódia do Brasil com o Convento de Nossa Senhora
das Neves de Olinda.
Uma outra ordem
que se fixou no Brasil no século XVI foi a dos beneditinos que se estabeleceram
no Brasil em 1581, em Salvador, com a finalidade de ali construir um mosteiro,
outros foram fundados em Olinda, rio de Janeiro, Paraíba do Norte e São Paulo.
Outras ordens que estiveram presentes no processo de colonização do
Brasil foram os carmelitas, mercedários, oratorianos e capuchinhos, tendo
desenvolvido alguma atividade educativa. Todas essas foram dispersas em seus
objetivos educacionais, não tiveram proteção oficial e poucos recursos.
Diferentemente os Jesuítas vieram por determinação da realeza, que
exerceram forte influência no que tange
à educação no brasil nesse período, configurando um esboço de um sistema
educacional sistema esse que se consolidaria com o Ratio Studiorum.
A primeira fase da educação jesuítica foi marcada pelo plano de instrução
elaborado por Nóbrega. O plano iniciava-se com o aprendizado do português (para
os indígenas); prosseguia com a doutrina cristã, a escola de ler e escrever e,
opcionalmente, canto ofeônico e música instrumental; e culminava, de um lado,
com o aprendizado profissional e agrícola, e de outro lado, com a gramática
latina para aqueles que se destinavam à realização de estudos superiores na
Europa (Universidade de Coimbra). Esse plano não deixava de conter uma
preocupação realista , procurando levar em conta as condições específicas da
colônia.
Contudo sua aplicação foi precária, tendo cedo encontrado oposição no
interior da própria Ordem jesuítica, sendo finalmente suplantado pelo plano
geral de estudos organizado pela companhia de Jesus e consubstanciado pelo
Ratio Studiorum. O plano de Nóbrega incluía também um “projeto de educação para
o sexo feminino” que não deu certo.A principal estratégia utilizada para a
organização do ensino, tendo em vista o objetivo de atrair os “gentios”, foi
agir sobre as crianças. Para isso se mandou vir de Lisboa meninos órfãos, para
os quais foi fundado o Colégio dos meninos de Jesus da Bahia e, depois, o
Colégio dos Meninos de Jesus de São Vicente. Pretendia-se pela mediação dos
meninos brancos, atrair os meninos índios, e por meio deles, agir sobre seus
pais, em especial os caciques, convertendo toda a tribo para fé católica. A
sujeição dos índios pela coação foi condição sine qua non para o processo de conversão à fé católica.
Anchieta aprendeu a língua tupi e dela se utilizou para realizar o
trabalho pedagógico, fez assim um agente de “civilização pela palavra”. Entre
1564 e 1598, Anchieta escreveu aproximadamente vinte autos, o que corresponde à
quase a totalidade das peças jesuíticas do período (Bittar e Ferreira Jr, 2002,
p.8), nesses autos predomina a luta do bem contra o mal.
3.3. A institucionalização da pedagogia jesuítica ou o Ratio Studiorum (1599 – 1759)
Em 1564 a
Coria portuguesa adotou o plano da redízima, pelo qual dez por cento de todos
os impostos arrecadados da colônia brasileira passaram a ser destinados à
manutenção dos colégios jesuíticos. (p.49)
Em todos esses aspectos ressalta o contraste entre as dificuldades e
privações enfrentadas na primeira fase e as facilidades e conforto usufruídos
na segunda.
Coincidindo com essa fase de prosperidade da missão jesuítica no Brasil,
a companhia de Jesus deu início à elaboração de um plano geral de estudo a ser
implantado em todos os colégios da Ordem em todo mundo, o Ratio Studiorum. (p. 50).
Dois métodos de ensino foram os pilares para a estruturação do Rário
Studiorum: o modus itálicus e o modus parisienses.
Modus parisiensis, considerado
o melhor “em matéria de repetições, disputas, competições, interrogações e
declamações” (Franca, 1952, P. 8) para o aprendizado da gramática da língua
latina. (p. 50)
Ratio Studiorum que foi enviado
de Roma para as instituições que iam fundadas nos diversos países visando a
uniformizar a organização e o funcionamento dos colégios. (p. 50).
Modus itálicus,
caracterizava-se por não seguir um programa estruturado e nem vincular a
assistência dos discípulos a determinada disciplina. Esses podiam passar de uma
a outra disciplina sem necessidade de preencher qualquer tipo de pré-requisito.
Basicamente esse método implicava a presença de um preceptor que
ministrava instrução a um conjunto de discípulos que eram reunidos
independentemente das eventuais diferenças de níveis de formação e das idades
de cada um. No entanto, já que as diferenças existiam, lançava-se mão de
estudantes mais adiantados ou de instrutores para acompanhar os discípulos em
fase de iniciação. (p. 52).
A partir do início do século XVI, o modus
itálicus foi sendo progressivamente suplantado pelo modus parisiensis. A data de referência é 1509, quando o Colégio de
Mantaigu, de Paris, introduziu a divisão dos alunos em classes. Diferentemente
do modus itálicus, o modus parisiensis de ensinar comportava,
como aspectos básicos, a distribuição dos alunos em classes, realização, pelos
alunos, de exercícios escolares e mecanismos de incentivo ao trabalho escolar.
A organização das classes dava-se pela reunião de alunos aproximadamente
da mesma idade e com o mesmo nível de instrução aos quais se ministrava um
programa previamente fixado composto por um conjunto de conhecimentos
proporcionais ao nível dos alunos, sendo cada classe regida por um professor.
Os exercícios escolares tinham como objetivo mobilizar, no processo de
aprendizagem, as faculdades dos alunos. Baseando-se na escolástica, o modus parisiensis tinha como pilares a lectio, isto é, a preleção dos assuntos
que deviam ser estudados, o que podia ser feito literalmente por meio de
leitura; a disputatio, que se
destinava ao exame das questiones suscitadas pela lectio; e as repetitiones,
nas quais os alunos, geralmente em pequenos grupos, repetiam as lições
explanadas pelo professor diante dele ou de um aluno mais adiantado. Os
mecanismos de incentivo ao estudo implicavam castigos corporais e prêmios,
louvores e condecorações, além da prática da denúncia ou delação.
Tendo assimilado o modus
parisiensis ao estudarem na Universidade de Paris, os jesuítas o adotaram
desde o primeiro colégio fundado em Messina em 1548 e o consagraram no Ratio Studiorum, que regulou o funcionamento
de todas as suas instituições educativas. (p. 52).
A primeira versão do Ratio foi
fruto de uma comissão instituída em 1584 pelo padre Cláudio Aquativa, eleito
geral da Ordem em 1581. dos trabalhos da comissão surgiu, em 1585, um texto
que, submetido à apreciação de Aquativa, foi editado em 1586 para uso interno e
enviado a todos os provinciais. Essa versão não se destinava a ser posta em
prática, mas apenas à apreciação e crítica das autoridades responsáveis pelos
melhores colégios da Companhia. Após colocado o texto na forma de normas
organizadas por notáveis da universidade de Roma, chegou-se à versão definitiva
do Ratio publicada em 1599.
O código representado pelo Ratio
atque Institutio Studiorum Societatis Jesu contém 467 regras. Com as
sugestões das várias províncias chegou-se, em 1591, à segunda versão, que posta
em prática em caráter experimental por três anos, resultou na terceira versão,
editada e promulgada em janeiro de 1599 para vigorar em todos os colégios da
Companhia de Jesus (p. 55).
O plano foi constituído por um conjunto de regras cobrindo todas as
atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino. Começava pelas regras do
provincial, passava pelas do reitor, do prefeito de estudos, dos professores de
modo geral e de cada matéria de ensino, chegava às regras da prova escrita, da
distribuição de prêmios, do bedel, dos alunos e concluía com as regras das
diversas academias. O prefeito de estudos tinha função supervisora.
O plano contido no Ratio era de
caráter universalista e elitista. Universalista porque se tratava de um plano
adotado indistintamente por todos os jesuítas, qualquer que fosse o lugar onde
estivessem.elitista porque acabou destinando-se aos filhos dos colonos e
excluindo os indígenas.
O novo plano começava com o curso de humanidades, denominado no Ratio de “estudos inferiores”,
correspondentes ao atual curso de nível médio. Seu currículo abrangia cinco
classes ou disciplinas: retórica, humanidades, gramática superior, gramática
média e gramática inferior. A formação prosseguia com os cursos de filosofia e
teologia, chamados de “estudos superiores”.
O currículo filosófico era previsto para a duração de três anos, com as
seguintes classes ou disciplinas: 1° ano: lógica e introdução às ciências; 2°
ano: cosmologia, psicologia, física e matemática; 3° ano: psicologia,
metafísica e filosofia moral. O currículo teológico tinha a duração de quatro
anos, estudando-se teologia escolástica ao longo dos quatro anos; teologia
moral durante dois anos; Sagrada Escritura também por dois anos; e língua
hebraica durante um ano.
Estudos inferiores, que tinha a duração de seis a sete anos e cujo
conteúdo reeditava o Trivium da Idade
Média, isto é, a gramática (quatro a cinco séries); esta, por sua vez,
dividia-se em gramática inferior, média e superior, sendo que cada uma das duas
primeiras podia subdividir-se em duas (inferior A e B e média A e B); a
gramática era ensinada com o objetivo de assegurar expressão clara e precisa. A
dialética, chamada no Ratio de
humanidades (uma série), destinava-se a assegurar expressão rica e elegante.
E a retórica (uma série) buscava garantir uma expressão poderosa e
convincente. No conteúdo trabalhado nesse curso o latim e o grego constituíam
as disciplinas dominantes. A elas subordinavam-se a língua vernácula, a
história e a geografia, ensinadas na leitura, versão e comentários dos autores
clássicos. (p. 59)
As idéias pedagógicas expressas no Ratio
correspondem ao que passou a ser conhecido na modernidade como pedagogia
tradicional. Essa concepção pedagógica caracteriza-se por uma visão
essencialista de homem, isto é, o home é concebido como constituído por uma
essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular
e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser
humano.
Para a vertente religiosa, tendo sido o homem feito por Deus à sua imagem
e semelhança, a essência humana é considerada, pois, criação divina. Em
conseqüência, o homem deve empenhar-se em atingir a perfeição humana na vida
natural para fazer por merecer a dádiva da vida sobrenatural.(p. 58).
Os jesuítas podiam lançar mão dos clássicos da Antiguidade para promover
a instrução cristã, em lugar da literatura que lhe era contemporânea, já que
esta se encontrava impregnada de anticatolicismo, a “pedagogia ativa” por eles
propugnada constituía uma verdadeira revolução. (p.59)
4. A “máquina mercante” e as metamorfoses na educação
Destacam se no século XVII duas figuras no campo intelectual brasileiro:
Gregório de Matos e Antônio Vieira, ambos jesuítas. Enquanto Matos prende-se ao
passado, amarrado por costumes tradicionais, Vieira é visionário e percebe que
a maquina marcante vem para ficar.
Aconselha D. João VI a fundar uma companhia das Índias Ocidentais a
exemplo da Inglaterra e Holanda contraditoriamente, finca pé junto aos jesuítas
nos combates de interesse da coroa. Confrontado por Antonil, trazido da Itália
pelo próprio Vieira, considerado o primeiro economista do Brasil, Antonil
integra-se totalmente ao mercantilismo colonial.
A tomada de posição de Antonil junto a Jorge Benci em favor de sujeitar
os índios ao trabalho escravo, entrou em rota de colisão com Vieira que se
opunha a escravização dos índios, embora essa não fosse a realidade para os
negros. Jorge Benci teorizará sobre a suavização do fardo dos escravos e
desenvolverá uma pedagogia especifica para a educação dos escravos.
Revelando-se exímios economistas, os jesuítas constituíram um grande
tesouro, isentos de impostos, proprietários de grandes latifúndios, gado,
escravos, estavam atentos as oscilações das cotações do açúcar, buscando
redirecionar a produção para outros produtos agrícolas e aplicando as receitas
na compra de propriedades para arrendamento.
A concorrência com os empreendedores era desleal e vantajosa despertando
a indignação e revolta. Ao quadro econômico descrito juntou-se a questão
política das terras missioneiras, quando as coroas de Espanha e Portugal se
voltaram conjuntamente contra os jesuítas. (tratado de Madri). O cumprimento do
tratado esbarrou na resistência de cerca de 100 mil índios cristianizados
vencidos pela força das armas.
As alegações contra os jesuítas vieram do governador do estado do
Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Carvalho e
Melo, futuro Marques de Pombal e incluíam a desigualdade na cobrança de
tributos (enquanto se pagava 80% os religiosos eram isentos), usurpações contra
a liberdade dos índios a posse dos bens situados nas terras em que eles
moravam, a venda das drogas que, por ordem deles, os índios iam buscar no
sertão; e a venda das carnes e couros e dos peixes obtidos com o trabalho dos
mesmos índios, a obstinação em suas praticas e ousadamente recusavam-se a seguir as bulas e ordens
papais, assim como as determinações reais que culminou com a expulsão dos
jesuítas em 1759.
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